“O papel das incorporadoras é investir em projetos para uma cidade melhor, em que todos possam ganhar.”
em Valor Econômico / Imóveis de Valor, 6/junho
Entrevista | Carlos Moreno, urbanista e professor da Universidade Paris 1 Panthéon-Sorbonne
O urbanista colombiano Carlos Moreno é o criador do conceito “cidade de 15 minutos”, um modelo urbano que propõe reunir serviços essenciais para as pessoas em um raio de curta distância, que já tem sido implementado em Paris (França), Buenos Aires (Argentina), Melbourne (Austrália), Medellin (Colômbia) e Chengdu (China). No Brasil, Curitiba (PR) e São Paulo (SP) demonstraram interesse.
Moreno esteve no Brasil para lançar seu livro com a tese e participar de seminários no Laboratório Arq.Futuro, do Insper Cidades, e concedeu a entrevista a seguir — com a participação de Fábio Aurichio, sócio-diretor do escritório ACIA Arquiteto — sobre desafios e oportunidades de transformação das capitais brasileiras e do papel das incorporadoras nesse processo,
Como esse modelo tem impactado a vida em Paris?
Carlos Moreno — Quando adotou o conceito, a prefeitura de Paris transformou 200 escolas da cidade (usadas pela comunidade nos fins de semana) nas “capitais” dos bairros, com ruas fechadas ao trânsito e transformadas em jardins e miniparques. A agência pública que administra os imóveis ao redor criou medidas para atrair o comércio, a partir de aluguéis mais baratos. Essas ações, somadas às iniciativas de mobilidade, como 1,2 mil quilômetros de ciclovias, têm elevado a qualidade de vida dos parisienses.
Quais os desafios para São Paulo implementar o conceito?
São Paulo é uma grande metrópole que tem o desafio de oferecer mais qualidade de vida à população, respondendo às demandas do urbanismo do século XXI. São muitos edifícios corporativos que servem apenas ao trabalho, dificuldade de locomoção das pessoas e informalidade.
Como aproximar as pessoas da cidade aos serviços?
Discutimos com o Laborátório Arq.Futuro a possibilidade de criar novas centralidades urbanas na capital paulista. A cidade de 15 minutos deve ser feita a partir destas centralidades: oferecer serviços essenciais nestes locais, a partir da estrutura já existente e modificar a ocupação dos edifícios para o modelo multiúso. E também transformar os espaços públicos em áreas verdes, para reduzir a pegada de carbono gerada pelos veículos, além de estimular a caminhabilidade e a adoção de bicicletas no dia a dia.
É um processo de longo prazo?
Sem dúvida, não será com uma varinha mágica que se resolverá algo que vem de muitas décadas. Então, queremos desenvolver e propor um plano local de urbanismo, como existe em Paris, por exemplo, que dá a direção da transformação para os próximos dez anos, a partir desse conceito: novas centralidades multiúso e retrofit, criando oportunidades econômicas dentro de um novo modelo de negócio.
E que se rompa com o costume de uso dos carros. O arquiteto Jaime Lerner já dizia que o vício pelo automóvel é o cigarro das cidades: um hábito que nos intoxica, e devemos propor uma alternativa urbanística para que esse vício seja extinto.
Então, não é uma questão para um único prefeito resolver. São necessárias pelo menos quatro gestões para mudar as cidades. Por isso, é preciso um plano local estratégico, de urbanismo e de ordenamento territorial. Paris está se transformando, mas não com ideias de curto prazo. E essa é a dificuldade principal da América Latina.
Como você vê as políticas públicas comuns na América Latina, que tem como orientação as cidades para os carros, não para as pessoas?
A política pública urbana deve ser orientada para um urbanismo do século XXI, não o que vimos no período anterior, influenciado por uma herança de Corbusier, com cidades voltadas para os automóveis. Elas não foram pensadas para as pessoas, e o modelo de negócio desmantelou o sistema ferroviário que existia para favorecer a indústria de veículos.
Precisamos de um novo “business model”, pensado para criar cidades mais compactas e de múltiplos usos, com um estilo de arquitetura adequado a esse novo urbanismo e à resiliência climática, que é uma questão ainda maior. Mas não é uma estratégia de curto prazo. A inércia das cidades é lenta.
Mas é possível fazer?
Sim, veja o exemplo de Medellín, na Colômbia. A cidade estava em um caos total, tomada pelo narcotráfico nos anos 1980. Após a morte de Pablo Escobar, chefe do Cartel de Medellin, em 1993, a sociedade civil e o empresariado se uniram para eleger quatro prefeitos seguidos e que transformaram completamente a cidade. E mesmo sendo de partidos diferentes, o programa urbanístico era o mesmo e foi o condutor da mudança. Assim, em 20 anos, Medellin deixou de ser um lugar violento para ganhar prêmios internacionais de Cidade mais inovadora (2013) e de Cidade Mundial no Lee Kuan Yew, em 2016.
Amsterdam, nos anos 1970, tinha não somente a presença massiva de carros nas ruas, mas também o triste recorde de ser a cidade europeia com mais mortes de crianças por atropelamentos. Foi graças a uma campanha criada por um jornalista — que havia perdido seu filho dessa forma — que se iniciou a transformação urbana que levou a cidade ao que é hoje: amigável às pessoas e que tem a bicicleta como o principal meio de transporte individual. Mas isso demorou 25 anos para acontecer.
Como as construtoras e incorporadoras podem ajudar na transformação das cidades?
É uma pergunta muito importante. As experiências bem-sucedidas do mundo mostram que é possível, a partir de uma política pública bem clara — baseada na proximidade, no multiúso, no baixo carbono, nos espaços públicos eficientes e no uso da tecnologia —, estabelecer um diálogo com o setor privado. O empresariado pode ser um aliado muito importante nesse processo de transformação urbana, oferecendo um novo modelo de negócio ou uma nova ideografia da economia.
É um conceito científico, observado por Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia em 2008, que fala da nova economia geográfica. É preciso romper com os preceitos do século XX, das cidades divididas em setores corporativos e residenciais, com ruas e avenidas conectando ambas.
As empresas têm de romper com esse modelo e buscar um novo conceito, baseado no urbanismo, no retrofit e nos empreendimentos multiúso. Desde a pandemia, bairros corporativos vêm passando por crises em toda a América Latina. Em Santiago (Chile), metade da torre comercial mais alta do continente está vazia porque as pessoas não voltaram ao trabalho como antes. Então, os empresários do setor precisam propor novos modelos.
Mas como trabalhar pela transformação sem esperar por uma adequação prévia de políticas públicas, que demoram muito para ser adotadas?
Deve-se considerar o papel que eles têm de investir em projetos para uma cidade melhor, em que todos possam ganhar. Se continuarmos fazendo uma cidade espraiada, dependente de carros, em que o tempo das pessoas é gasto nos deslocamentos para trabalhar, todos sairão perdendo porque é um modelo insustentável.
Os empresários do setor, que detêm terrenos e capacidade de investimento, têm que buscar projetos que se encaixem na visão de cidades compactas e de proximidade com serviços. Que cada metro quadrado que se construa esteja identificado com os serviços que existirão no entorno e com uma mobilidade urbana menos “auto dependente”, que levará as pessoas até ali. Criar um modelo de negócio e não se deixar levar pelas facilidades que os mantêm fazendo sempre o mesmo.
E o papel do poder público, além do plano urbanístico?
O poder público pode incentivar novas formas de morar, como o retrofit ou centralidades multiuso que promovam a proximidade. Estimular outras mobilidades e o desenvolvimento do comércio local, além de acesso à educação e à cultura, que são fatores que fazem uma cidade ser mais amigável.
A COP-30, em Belém (PA), será uma oportunidade para se refletir sobre o papel das áreas urbanas na questão ambiental. É um bom momento para acelerar essa discussão sobre a transformação das cidades brasileiras.
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